Publicado no Observador
Por Alberto Veronesi
Uma análise dos fundamentos filosóficos, das implicações sociais e educacionais, e das controvérsias científicas e psicológicas que circundam a Ideologia de Género.
No calor do verão de 2018, a lei 38/2018 de 7 de agosto foi aprovada, marcando um marco na legislação portuguesa, ao garantir o Direito à Autodeterminação da Identidade de Género. Essa lei, que permite a qualquer pessoa alterar seu nome e sexo no registo civil, foi fruto de um longo processo de lutas e reivindicações do movimento LGBTQIA+.
No entanto, esse avanço não passou incólume, levando-nos a questionar as raízes e implicações dessa ideologia, especialmente à luz do Despacho n.º 7247/2019, que, posteriormente, foi julgado como inconstitucional. Este artigo propõe-se mergulhar nos fundamentos filosóficos, nas implicações sociais e educacionais, bem como nas controvérsias científicas e psicológicas que circundam a Ideologia de Género.
No passado dia 15 de dezembro de 2023, foi aprovada a lei destinada a implementar direitos de autodeterminação de género nas escolas. Obviamente, a aprovação desta lei deve provocar em todos nós preocupação extrema, pois trata-se de uma violência normativo-burocrática contra os direitos fundamentais, de todos aqueles que preferem não seguir a linha do pensamento woke.
A origem da ideologia de género pode ser traçada até ao início do século XX, com o surgimento de movimentos feministas e LGBTQIA+, que questionavam os papéis sociais tradicionais de género. No entanto, foi na década de 1960 que a ideologia de género começou a ganhar força, com o trabalho do psicólogo John Money.
Money acreditava que o género era uma construção social e não uma característica biológica. Ele defendia que a identidade de género era moldada pela experiência e pela socialização, e que as crianças podiam ser criadas como qualquer género, independentemente do sexo biológico.
Para provar sua teoria, Money realizou uma experiência com dois gémeos, David e Brian Reimer. David nasceu com hipospádia, uma condição em que a uretra se abre na base do pénis. Em 1967, quando David tinha apenas 8 meses de idade, seus pais consentiram uma cirurgia para corrigir a condição. No entanto, a cirurgia foi mal sucedida, e David perdeu o pénis. Money convenceu os pais de David a criarem o menino como uma menina, e deu-lhe o nome de Brenda. Money supervisionou o tratamento de Brenda por vários anos, e afirmou que ela se identificava como uma menina.
No entanto, Brenda nunca se sentiu confortável como menina. Ela sentia-se diferente das outras meninas e tinha dificuldade em se encaixar na condição feminina. Aos 14 anos, Brenda descobriu que era geneticamente um menino. Ela sentiu-se enganada e traumatizada e começou a viver como David novamente.
A experiência de David/Brenda é um exemplo das consequências negativas da ideologia de género. Ela mostra que é perigoso tentar moldar a identidade de género de uma criança, independentemente de seu sexo biológico.
A experiência de David/Brenda também é importante porque refuta a teoria de Money de que o género é uma construção social. David nasceu com um cérebro masculino, e ele sempre se identificou como um menino. Isso sugere que a identidade de género é, pelo menos em parte, determinada pela biologia.
Apesar das críticas, a ideologia de género continua a ser influente em nossa sociedade. Ela tem sido usada para justificar políticas e práticas que afetam a vida de crianças e adultos LGBTQIA+.
Nesse sentido, ganha força no seio do movimento “woke” nos Estados Unidos, onde desafia os alicerces tradicionais da diferenciação entre sexo biológico e identidade psicossocial. Como aponta Jean François Braunstein no seu livro “A Religião Woke”, essa ideologia, sendo o epicentro do movimento, abre portas para questionamentos mais amplos, muitas vezes comparados à postura dos terraplanistas.
Braunstein destaca como essa ideologia não é apenas uma teoria isolada, mas o ponto de partida para outros embates contra a ciência e a realidade. Ele aponta, por exemplo, como a Ideologia de Género nega a existência de diferenças sexuais entre homens e mulheres, reduzindo-as a meras construções sociais.
Outra crítica importante à Ideologia de Género é a sua visão relativista da verdade. Para essa ideologia, a verdade não é absoluta, mas é construída socialmente. Isso leva a uma relativização da moral e da ética, com o risco de se abrir caminho para comportamentos antissociais e até mesmo violentos.
A implementação nas escolas dessa ideologia, que inicialmente visava a promoção da igualdade de género, depara-se com críticas quanto à possibilidade de reeducação social. A introdução de disciplinas, como Educação para a Cidadania, que afirmam que o género é uma construção social, levanta questões sobre doutrinação e a liberdade de pensamento.
Enquanto alguns defendem uma abordagem mais inclusiva nas escolas, há preocupações sobre a imposição de uma ideologia sem espaço para a diversidade de opiniões e crenças. Essa preocupação é compartilhada por académicos de diversas áreas, como a psicologia, a sociologia e a educação.
Por exemplo, a Associação Americana de Pediatras (AAP) divulgou uma declaração, em que alerta para os riscos da adoção da Ideologia de Género nas escolas, onde afirma que essa abordagem pode gerar confusão, ansiedade e até mesmo depressão, sem uma base científica sólida que comprove sua efetividade.
Estudos científicos também questionam a eficácia da Ideologia de Género nas escolas. Uma pesquisa publicada na revista The New Atlantis, por exemplo, alerta para os potenciais impactos negativos na saúde mental de crianças e jovens.
A pesquisa destaca que essa abordagem pode gerar ansiedade, depressão e até mesmo instintos suicidas, especialmente em crianças que ainda estão em processo de desenvolvimento. Isso ocorre porque a Ideologia de Género pode levar essas crianças a questionar a sua identidade e a sentirem-se pressionadas a encaixarem-se numa determinada categoria de género.
Outro estudo, publicado na revista Nature, constatou que a Ideologia de Género não tem impacto significativo na redução dos preconceitos e da discriminação contra pessoas LGBTQIA+. O estudo concluiu que essa abordagem pode, na verdade, aumentar os níveis de conflito e polarização social.
Diante da complexidade e das divergências em torno da Ideologia de Género, apelo à reflexão profunda sobre a necessidade de abordagens educacionais que respeitem a individualidade. Este artigo não impõe uma visão, mas procura, sinteticamente, oferecer um panorama abrangente para promover uma análise consciente sobre a Ideologia de Género. É imperioso que, socialmente, haja coragem para se fazer uma análise alargada onde se possam considerar múltiplas perspetivas e procurar informações para contribuir para um debate construtivo sobre este tema tão relevante e impactante na nossa sociedade.
A Ideologia de Género é um tema complexo e controverso, que desperta fortes emoções e opiniões divergentes. É importante que esse debate seja conduzido de forma respeitosa e informada, com base em evidências.
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