Preparemos, então, o cenário…
Quando as aulas começaram, no Outono de 2021, a minha filha, feminina e teimosa, anunciou aos professores, do nada, que queria usar um nome masculino. Descobrimos isso através de um simpático conselheiro escolar e foi assim que começamos a nossa jornada no mundo invertido da ideologia trans.
Nos primeiros seis meses, ela passou de bissexual, não binária, they/them, aceitando usar o seu nome de nascimento em casa, para “pansexual”, reescrevendo a sua história de vida e mostrando-se cheia de pedidos trans, que incluíam afirmar, de forma poética, sobre o dia em que iria cortar partes do corpo e começar com Testosterona. Ela tinha 12 anos…
A nova identidade trans garantiu-lhe a pertença instantânea ao grupo LGBTQ da escola, um grupo de amigos (o primeiro de sempre), toneladas de atenção e elogios, uma reivindicação de justiça social, um propósito elogiado e uma explicação abrangente para cada sentimento negativo até então experimentado em relação ao seu “Eu” solitário, neurodiverso e devastado pela puberdade.
Como tantos outros pais de crianças que se identificam como trans, eu não sabia o que não sabia. Sempre fui progressista e com inclinação política para a esquerda, pelo que, inicialmente, tentei ser solidária, ao mesmo tempo que, por outro lado, estabeleci uma linha dura em relação a mudanças permanentes antes mesmo que ela as solicitasse. Aguentei o nome por oito meses, os pronomes masculinos por um ano, depois cedi. Permiti roupas do departamento masculino, binders e um corte de cabelo curto. Levei-a à Parada do Orgulho.
Contudo, durante todo o tempo, permaneci profundamente desconcertada e intimamente convencida de que não era realmente ela. Outra coisa havia tomado conta dela. Eu simplesmente não sabia exatamente o quê ou como resolver a situação.
Cerca de dez meses antes (ou seja, são já vinte meses nesta jornada), o professor ativista da Genders & Sexualities Alliances (GSA) convidou uma pessoa trans para falar no clube (sem o nosso conhecimento, pais), o que resultou em que, quando a minha filha voltou para casa, vinha cheia de uma urgência de ser colocada em bloqueadores da puberdade “completamente seguros e reversíveis” o mais rápido possível.
Foi então que, finalmente, por necessidade, comecei a educar-me sobre este assunto. Não sei dizer por que demorei tanto. Talvez eu estivesse em modo de sobrevivência. Talvez estivesse preocupada em ser chamada de fanática. Talvez, ainda, porque poderia parecer presunçoso pensar que eu conhecia melhor a minha filha do que ela própria. (Spoiler: sim, estou 100% certa de que a conhecia melhor. Porque ela é uma criança e as crianças não se conhecem. Já conheceu uma pessoa de 30 anos que não mudou desde os 13, 15, 18? Encerro o meu caso.)
Aprendi sobre o ROGD (Rapid Onset Gender Disforia), os contágios sociais, os grupos de controlo mental, a propagação da ideologia online, o silenciamento dos dissidentes, a falta de investigação científica e as ameaças aos direitos das mulheres.
Encontrei Gender – A Wider Lens, PITT (Parents with Inconvenient Truths about Trans), Genspect, Irreversible Damage (Abigail Shrier) e tudo o mais. Também mergulhei profundamente no passado da minha filha, no contexto da sua vida social e da nossa família para compreender as características e circunstâncias que a tornaram particularmente vulnerável, bem como o nosso papel como pais na sua formação. (Para ser clara, não estou a falar de auto-culpa, mas do reconhecimento objetivo de que a dinâmica do relacionamento familiar é um dos vários contribuintes para a forma como nossos filhos se vêem).
E então, armada com esse novo conhecimento, comecei a jardinagem. Ou, mais especificamente, a “plantar sementes” – uma frase muito repetida nos conselhos aos pais de crianças com confusão de género.
Há nove meses, o solo era quase sempre árido e infértil, mas depois ocorreram dois acontecimentos “fortuitos”. Primeiro, o professor da GSA, com complexo de salvador, denunciou-nos à Comissão de Proteção de Menores por causa de alegações falsas que foram rapidamente rejeitadas, o que não evitou, porém, que se desse um choque suficiente na nossa família capaz de levar a minha filha às lágrimas (e às dúvidas sobre o professor), e então a água começou a brotar nesse chão árido. Em seguida, um relacionamento tóxico fez com que a nossa filha se distanciasse do grupo de amigos e, com isso, a constante nebulosidade que é a “ligação traumática” diminuiu. Entrada de luz…
Por mais que eu haja questionado, retrospetivamente, a nossa decisão de afirmar socialmente e acreditar que eu agiria de maneira diferente hoje, com o conhecimento que tenho, também acho que isso ajudou a manter uma conexão com a minha filha durante toda essa fase. Ela sentiu-se algo apoiada, o que fez com que nunca se tenha voltado contra nós completamente. Mas, quando as influências da escola diminuíram, ainda havia um grande problema: ela não tinha ideia de como eu me sentia. O nosso relacionamento fora construído sobre uma mentira e as mentiras são um fertilizante terrível.
O primeiro passo, portanto, foi eu e o meu marido ancorarmo-nos, mais uma vez, na realidade – mudar o nível de ph da nossa casa, pode dizer-se (se ainda não estiver cansado da analogia da jardinagem). Fizemos isso deixando de usar pronomes masculinos e, em vez disso, optando pela acrobacia linguística sem pronomes, usando (discretamente) o nome de nascimento da minha filha quando falávamos sobre ela apenas nós os dois, e usando uma versão mais neutra do nome “preferido” dela sempre que precisávamos absolutamente de chamá-la por um nome. Isto pode parecer uma pequena mudança porque não a envolveu explicitamente, mas a Semente 1 teve que ser plantada dentro de nós. Nós que éramos os adultos na sala. Nós que poderíamos desfazer um erro desinformado porque agora sabíamos mais, nomeadamente que essa mudança era possível.
SEMENTE 2: Tu és uma prioridade para mim
Enquanto eu trabalhava para criar coragem para ter uma conversa profunda sobre género com a minha filha, concentrei a maior parte do meu tempo livre em aprofundar o nosso relacionamento. Ouvi atentamente enquanto ela processava o que tinha acontecido no seu grupo de amigos, o que levou a conversas sobre o que ela tinha observado entre os seus pares – a influência da vitimização e a preocupação com autodiagnósticos de saúde mental alimentados pela Internet, tão prevalentes na sua geração. Fazíamos caminhadas, colhíamos frutas, cozinhávamos, ríamos.
SEMENTE 3: Tu tens livre-arbítrio para avançar para algo melhor
Ela estava nervosa por começar o ensino secundário sem amigos. Então fizemos listas de características que ela queria ver em novos amigos e, em seguida, outra lista de características que ela poderia promover em si mesma para atrair esse tipo de pessoas. Procurei e descobri atividades extracurriculares que estavam alinhadas com os seus objetivos de carreira futuros e incentivei a realizá-las, bem como a trabalhar em qualidades internas, como resiliência e persistência, que podem ajudar nessas mesmas atividades. Certifiquei-me de que ela se sentia ouvida e apoiada como pessoa.
Semente 4: As pessoas acreditam na coisa errada o tempo todo.
Começámos a assistir a “Scientology and the Aftermath”, de Leah Remini, juntas “por diversão”, uma escolha estratégica para introduzir no nosso ambiente conceitos como auto-ilusão, pensamento de grupo e ciência “versus” espiritualismo. Também falámos sobre outros cultos, como eles recrutam e como evitar ser ingénuos…
Mesmo assim, a mentira sobreviveu e isso incomodou-me a um nível existencial. Mas é preciso levar em conta que, até esse ponto, as nossas interações não eram sobre género. Não que eu não pensasse nisso constantemente – pensava. Contudo, mantive uma lista de sentimentos que gostaria de lhe expressar quando surgisse a oportunidade.
Semente 5: Tu és mais do que um género.
Então, finalmente, aconteceu. Alguém “errou” em relação ao seu género e eu vi aí a minha oportunidade. Comecei gentilmente: “Não podes controlar como as outras pessoas te vêem”. Ela de certa forma que concordou. Então perguntei quanta energia emocional ela realmente queria gastar no início do ensino secundário para tentar fazer com que as pessoas a vissem de uma certa maneira, sabendo que teria um controlo limitado sobre isso. Falei sobre os seus objetivos futuros – que ela tinha grandes ambições e qualidades incríveis que queria que as pessoas vissem nela. E expressei a minha preocupação de que, em vez de os outros a verem como “a amiga leal”, “a artista talentosa” ou “a estudante ambiciosa”, o foco excessivo no policiamento da linguagem de outras pessoas poderia resultar em vê-la apenas como “a criança trans”. Ela estava disposta a deixar que o desconforto com o seu corpo a limitasse dessa forma?
Semente 6: É importante imaginar o futuro.
Em seguida, perguntei o que era mais importante para ela: não ter que lidar com seu corpo feminino ou ser “um dos rapazes”. Eu já sabia a resposta porque, exceto por um período de seis a oito meses, a sua estética permaneceu bastante feminina e ela detestava a imaturidade de seus colegas homens. Quando ela respondeu que definitivamente não queria ser “um dos rapazes”, perguntei-lhe onde ela imaginava, então, encaixar-se, se, por um lado, pretendia passar por ser um rapaz, mas, por outro, não queria realmente ser um deles? Seria essa uma identidade funcional no mundo real, considerando que o mundo real difere bastante das câmaras de eco online?
Semente 7: Há mais de uma maneira de encarar o género.
Até aí tudo bem, até que veio a temida pergunta: eu via-a como um rapaz? Para minha (ingénua) surpresa, ela realmente estava convencida de que nós, a sua família, havíamos acreditado no estratagema. Corrigir esse equívoco foi dramático. Embora não tenha respondido sim ou não, compartilhei com ela o que agora considero ter sido uma informação nova para ela naquela altura – que existem diferentes maneiras de olhar e definir o género. Expliquei que não acredito numa alma de género, mas sim na ciência, na biologia, na psicologia – e que muitos outros concordam comigo. Que a natureza binária macho/fêmea é a mesma em todos os mamíferos e tem sido uma característica estável há milhões de anos.
Ela ficou magoada por não estarmos na mesma página. Eu disse-lhe que não havia problema em termos maneiras diferentes de ver as coisas e que ela estava a fazer o que é suposto fazer enquanto adolescente (explorar, ultrapassar limites, testar identidades), enquanto o meu papel como progenitora era pensar no panorama geral (a sua saúde e bem-estar presente e futuro, ancorados em factos baseados na ciência e na realidade observável). Quando ela me acusou de não a aceitar como é, contrapus que, muito pelo contrário, eu aceito-a exatamente como ela é, que todos os dias eu vejo, aceito e amo tudo nela, e que nunca vou parar de o fazer. E, devido ao tempo que passei aprofundando nosso vínculo anteriormente, ela sabia que isso era verdade, mesmo no seu estado de raiva.
Semente 8: Tu estás a crescer e mudas todos os dias.
Deixei o género de lado um pouco depois disso. Mas, se ela tentasse uma roupa nova que tivesse um estilo notoriamente mais feminino, eu elogiaria o quão adulta isso a fazia parecer – porque sabia que isso ressoaria mais do que beleza (e era verdade) . Também tivemos boas conversas sobre sentimentos e como a ansiedade e outros factores stressantes da saúde mental frequentemente nos induzem a acreditar em coisas que não são reais. Expliquei que sentimentos de tristeza, medo e solidão podem ser experiencialmente válidos e dolorosos, sendo que as causas subjacentes variam muito e a mente humana é péssima em interpretar o significado dos sentimentos. Estes, de resto, também são passageiros e a angústia de se descobrir é algo absolutamente normal nos adolescentes.
Semente 9: O sentimento do corpo como “outro” é provavelmente derivado da neurodiversidade.
Somando ao discurso sobre sentimentos inconstantes, usei um exemplo de como esquecer de comer pode deixar a pessoa “com fome”, isto para lembrá-la de que sua neurodiversidade sempre dificultou a consciência corporal. E quando a conexão mente/corpo é fraca, o desconforto físico pode facilmente ser interpretado como outra coisa, como se o corpo estivesse “fazendo coisas com você” em vez de “ser você”. Aprender a ler os sinais do corpo fará dele um amigo familiar.
Semente 10: A ideologia de género é um sistema de crenças espirituais.
A vez seguinte em que ela mencionou o género foi para expressar frustração por eu não estar “do lado dela” e que sempre que ela tentava apresentar “evidências” para a sua causa, eu rejeitava. Reiterei mais uma vez que a nossa compreensão e linguagem para isso partiam de bases diferentes. A posição dela baseava-se em crenças (o que é bom, eu acredito na liberdade de pensamento) e a minha na ciência, e ela não poderia esperar convencer-me sem provas reais e concretas (não há nenhuma).
Semente 11: Isso não é culpa tua.
Na mesma conversa, aproveitei para deixar claro que achava terrivelmente injusto o que lhe haviam feito nos fóruns online. Que ela e seus colegas ouviram mentiras sobre trans como a resposta inquestionável e estabelecida para a sua angústia. (Esta foi uma semente importante para mim porque eu queria ajudá-la a aliviar qualquer possível culpa por ter errado e dar-lhe uma maneira de salvar a face, por assim dizer).
Semente 12: A Internet não é tua amiga.
Alguém na escola dela sofria de distúrbio alimentar, o que levou a uma conversa sobre imagem corporal. Como a perceção daquela colega sobre si mesma não era verdadeira, por que razões aquela rapariga não se sentia confortável na sua pele e, ainda, o papel dos padrões de beleza impossíveis que foram impostos aos corpos femininos desde tempos imemoriais. Conversamos sobre como as redes sociais são falsas e porque é importante entender como funcionam os algoritmos. Também assistimos ao filme “The Social Dilemma” nessa época.
Semente 13: A ideologia de género é misógina.
A nossa conversa seguinte girou principalmente em torno do feminismo, já que ela sempre afirmou ser feminista e queria saber porque é que eu considerava a ideologia de género misógina. Em resposta, perguntei o que ela pensava que aconteceria com o progresso das mulheres se aceitássemos a narrativa ativista de que todas as mulheres históricas notáveis que quebraram as normas de género ao assumirem atividades tradicionalmente masculinas devem ter sido homens. Também lhe perguntei quem ela achava que beneficia mais com o facto de as mulheres jovens serem convencidas de que “nasceram erradas” e, dessa forma, se tornarem pacientes médicas para o resto da vida, em vez de buscarem relacionamentos, educação e carreiras saudáveis. Consideraria ela possível que existam tantas maneiras válidas de ser uma menina/mulher quantas meninas/mulheres existem no mundo?
Semente 14: Não podes ser feminista enquanto rejeitas a tua própria feminilidade.
Um pouco mais tarde voltaríamos à misoginia, agora nos aspetos relacionados com as religiões. Ela perguntou por que razão as mulheres têm tantas vezes um estatuto inferior em muitos grupos religiosos, com papéis de género mais tradicionais. Quando ela concordou com a minha explicação de que, historicamente, os grupos patriarcais consideraram necessário suprimir o poder feminino como forma de manter o controlo, e expressou indignação com essa estratégia, perguntei-lhe como é que isso, afinal, era diferente de ela negar o seu próprio poder feminino, reivindicando uma identidade de género masculina. Na verdade, em ambas as situações, as mulheres perdem. Eu sei que isso ficou com ela por um tempo.
Ao todo, a minha filha e eu tivemos apenas três conversas específicas sobre género nos últimos seis meses, mas conversamos com frequência e profundamente sobre a vida, relacionamentos e valores, e passamos bons momentos juntas, o que me permite fazer muitas perguntas abertas. Como é que isso funcionou, então, para nós?
Quando as aulas começaram, depois de nossa primeira (e mais emotiva) conversa, percebi imediatamente que ela estava a aliviar o policiamento dos pronomes na escola. Ainda a incomodava o suficiente para mencionar isso, mas muitas vezes ela preferia ignorar. Ela também examinou ativamente amigos com potencial na busca das características que desejava ver nos outros e em si mesma, inclinando-se naturalmente para colegas mais “normais”. Em vez de concentrar toda a sua personalidade no género, gradualmente foi mudando o seu foco para os objetivos futuros de carreira, incluindo a escolha de conteúdo relacionado com isso no YouTube. Tem, também, uma compreensão mais apurada do facto de que duas coisas podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Ela e eu podemos discordar, mas ainda podemos nos amar e desfrutar da companhia uma da outra. Embora ela ainda não tenha conectado explicitamente aos tópicos da epidemia de autodiagnóstico online ao ponto de incluir a “disforia de género”, ela está a refletir mais cuidadosamente sobre os seus comportamentos passados e pode observar, em tempo real, que os sentimentos não são estáticos, uma vez que o pode aferir analisando o quanto ela própria mudou neste último ano. Por outro lado, está a fazer as pazes com o seu corpo e tentando ouvir o que ele lhe está a dizer. Está abraçando a sua feminilidade, se ainda não totalmente, mais o seu feminismo do que a sua e já anunciou a sua desistência de se chamar a si mesma como um rapaz trans.
Tudo começou com um estrondo e terminou com um chiar… Não é isso que eles dizem? Tenho esperança de que a minha família esteja na fase do chiar. Existem crenças remanescentes, um desejo urgente de justiça social, um desconforto persistente com certos termos e doutrinações que ainda precisam de ser abordadas. Mas as sementes germinaram e estou cautelosamente otimista de que uma boa colheita está algures no horizonte…
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