juventude em transicao

“Questionar o radicalismo na identidade de género é de extrema-direita?”

Publicado no Observador

Por Marisa Antunes

Escrever sobre o fenómeno identitário requer respeito pela vida humana não só das pessoas genuinamente trans mas também das que estão apenas confusas, vulneráveis, deprimidas, contagiadas socialmente.

O polémico livro “Identidade e Família” apresentado por Pedro Passos Coelho deveria ser uma boa alavanca para lançar, finalmente, um debate mais aprofundado sobre o impacto das medidas implementadas pelo governo PS nas questões identitárias nas escolas e no Serviço Nacional de Saúde. E, já agora, tentar perceber porque razão os meus colegas jornalistas especializados em questões de género, alguns deles multi-premiados com as distinções Arco-Íris, omitem toda a verdade sobre a onda progressista assente na lei da autodeterminação de género e o seu impacto na multiplicação de casos trans…

Numa altura em que, por semana, uma média de dez pessoas (uma delas menor) muda de nome e género no Cartão de Cidadão e uma cirurgia de redesignação de sexo é concretizada, também semanalmente, no Serviço Nacional de Saúde, é urgente perceber o que está por detrás deste inesperado movimento que está a bater recordes históricos. E, lamento, não basta ouvir só os ativistas…

Escrever sobre o fenómeno identitário requer respeito pela vida humana não só das pessoas genuinamente trans mas também daquelas que estão apenas confusas, vulneráveis, deprimidas, contagiadas socialmente e que se arrependem mais tarde mas que terão de viver o resto das suas vidas esventradas, mastectomizadascapadas

É extremamente urgente que a comunicação social consiga finalmente abordar esta questão sobre o prisma de critérios científicos, numa altura em que o extremismo identitário começa a ser finalmente refreado.

E, já agora, que partilhasse com a sociedade portuguesa tudo o que de fundamental está a acontecer nesta matéria um pouco por todo o mundo. Afinal, é da integridade física e mental dos jovens que falamos…

Senão vejamos alguns exemplos bem reveladores:

  • A WPATH ((World Professional Association for Transgender Health), organização reconhecida como uma referência nas questões de saúde transgénero e que está na base das orientações seguidas em diversos sistemas de saúde (Portugal incluído), está atualmente no olho do furacão. Centenas de mensagens e ficheiros trocados num fórum interno de médicos e profissionais de saúde mental da WPATH foram revelados, vindo a confirmar que os tratamentos hormonais e cirúrgicos têm efeitos adversos pouco estudados e que muitos dos jovens que a eles se sujeitam (e que assinam o consentimento informado) não têm capacidade para avaliar o seu real impacto. Muitos deles padecem de comorbilidades várias como traumas sexuais, estados depressivos graves, autismo, homofobia interna, entre outras, condições frequentemente subavaliadas por estas equipas médicas, como se pode ler no The Guardian. Num outro artigo, este no “Telegraph”, dão-se alguns exemplos do que foi partilhado no fórum interno da organização: “Os ficheiros do WPATH falam de mastectomias sem mamilos, incontinência provocada pelas cirurgias de mudança de sexo e “anulação” – isto é, criação de eunucos. Há médicos a falar de situações de cancro causado pelas terapias hormonais prescritas em adolescentes e em operações onde é feita uma vagina falsa com a manutenção do pénis”, um pedido feito por um homem que se assume como uma pessoa não-binária… Desde que este escândalo estalou, há cerca de um mês, a WPATH remeteu-se ao silêncio e suspendeu o seu website.
  • Dois anos antes desta acesa polémica, já a Suécia, país progressista nesta matéria, o primeiro a realizar uma cirurgia de redesignação de sexo (nos idos anos 70), colocava travão a fundo na medicalização hormonal e cirúrgica por suspeitas de uma onda de contágio social junto dos jovens, principalmente raparigas.  Só em 2021, foram registados cerca de 820 novos casos na Suécia. Ao argumento habitual dos ativistas de que este aumento se deveu a uma maior tolerância da sociedade às pessoas trans e não ao contágio social, o psiquiatra Mikael Landen, diretor do Hospital Universitário Sahlgrenska, em Gotemburgo – que contribuiu para o estudo científico no qual o Conselho de Saúde sueco baseou a sua decisão de regressar à terapia mais holística – , respondeu à AFP: “A tolerância tem sido sempre elevada na Suécia pelo menos nos últimos 25 anos, por isso não se pode dizer que algo mudou…”.
  • A abordagem “progressista” no tratamento de pessoas com disforia de género também foi travada no Reino Unido, precisamente pela exponencial multiplicação de casos, um fluxo que acabou por obrigar à reorganização do Tavistock, a maior clínica de género não só deste país mas de toda a Europa após denúncias de má prática médica. Este hospital viu subir a sua média habitual de pacientes na ordem dos 250 por ano para mais de 5.000 em 2022. Assim, no início do mês passado, o ministério da Saúde britânico determinou que os bloqueadores hormonais vão deixar de ser prescritos de “forma rotineira”, como acontecia até há bem pouco tempo. Noruega, Dinamarca, França, entre outros, estão também a seguir o mesmo caminho e a concluir que os riscos inerentes à transição não ultrapassam os benefícios expectáveis a longo prazo.

Pedro Nuno Santos, reagindo à apresentação do livro, fez questão de dizer que acha “assustador que um ex-primeiro-ministro [Pedro Passos Coelho] tenha alinhado num discurso de extrema-direita” e que este será certamente “combatido pelo PS sem hesitação”, esperando ter o apoio da “juventude portuguesa”.

Mas não será também “assustador” politizar o impensável?  A saúde mental e a integridade física dos jovens merece mais respeito e rigor de quem tem responsabilidades de decidir num tema tão complexo e impactante para as pessoas envolvidas. A juventude portuguesa certamente agradecerá.

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