Redacção
É já apelidado do maior escândalo médico do século, está a ser exposto um pouco por todo o mundo, tem repercussões também em Portugal mas por cá, a comunicação social e a comunidade médica remeteram-se ao silêncio … Falamos da denúncia que recaiu sobre a WPATH (World Professional Association for Transgender Health), associação que tem sido uma base de referência nas questões de saúde transgénero em muitos países (Portugal incluído), e que veio demonstrar a falta de evidências médico-científicas no tratamento de pessoas trans.
A notícia surgiu de forma bombástica no início do mês passado – um extenso relatório de 242 páginas da autoria da jornalista Mia Hugues e publicado pelo Environmental Progress (EP), fundado pelo jornalista Michael Shellenberger, veio comprovar muitas das suspeitas e críticas que se apontavam à WPATH, cuja abordagem afirmativa das pessoas com disforia de género através das terapias hormonais e cirúrgicas levantava muitas dúvidas, que se adensaram à medida que se acumulam os casos de jovens arrependidos que foram sujeitos a tratamentos e intervenções com consequências irreversíveis. Uma abordagem afirmativa que acompanha o disparar de casos de pessoas trans, um pouco por todo o mundo. Recorde-se que também em Portugal, por semana, há uma média de 10 pessoas (dos quais um menor) a mudar de nome e género no Cartão de Cidadão (dados do Ministério da Justiça) e mais de uma cirurgia de sexo a ser realizada semanalmente nos hospitais públicos.
Denúncias
Escreve o The Guardian: “A transição médica das crianças tornou-se uma das questões mais controversas e polarizadoras do nosso tempo. Para alguns, é um escândalo médico. Para outros, é um tratamento que salva vidas. Assim, quando centenas de mensagens e ficheiros trocados num fórum interno de médicos e profissionais de saúde mental WPATH foram revelados, isso certamente despertou interesse. A WPATH descreve-se como uma ‘organização profissional e educacional interdisciplinar dedicada à saúde transgénero’. Mais significativamente, produz guias de orientação que, afirma, articulam o ‘consenso profissional’ sobre a melhor forma de ajudar as pessoas com disforia de género”. Mas apesar do seu título pomposo, afirma o The Guardian, “a WPATH não é apenas um organismo profissional – uma proporção significativa dos seus membros são ativistas – nem representa a visão ‘mundial’ sobre como cuidar deste grupo de pessoas” até porque, sublinha-se, “não existe um acordo global sobre as melhores práticas”.
E as mensagens agora reveladas – apelidadas de arquivos WPATH – são “perturbadoras”, afirma o reputado jornal britânico. E dá exemplos: “Num dos vídeos, há médicos a reconhecer que os pacientes são por vezes demasiado jovens para compreenderem completamente as consequências dos bloqueadores de puberdade e das hormonas para a sua fertilidade. É sempre uma boa teoria falar sobre preservação da fertilidade com uma jovem de 14 anos, mas sei que estou a falar para uma parede em branco”, disse um endocrinologista do Canadá, entre risos da plateia presente no fórum. O médico refere-se à recomendação que é dada às raparigas que transacionam para rapazes, sujeitas a histerectomias (operação cirúrgica que consiste na remoção do útero) para congelarem óvulos em clínicas de fertilização – um negócio também em ampla expansão – caso um dia queiram assegurar a sua descendência.
Também no The Telegraph se deu grande destaque à polémica denúncia na sua edição de 12 de março, num texto com o título – “Os nossos piores receios sobre os tratamentos na saúde transgénero foram confirmados”. Refere-se no artigo que as orientações terapêuticas recomendadas pela WPATH são habitualmente apelidadas de “melhores práticas” pela Associação Médica Britânica, pelo Conselho Médico Geral e pelo Royal College of Psychiatrists e implementadas no NHS, o serviço público de saúde do Reino Unido. Mas, sublinha-se, a WPATH não deveria ser encarada como um organismo de referência – “Muitos presumem que se tratava de um corpo profissional internacional de médicos altamente qualificados. Não é. Três quartos dos seus membros residem nos Estados Unidos e muitos são ativistas que defendem que qualquer pessoa que se identifique como trans possa exigir acesso a tratamento de afirmação de género, o que para as crianças significa bloqueadores da puberdade. Esta não é uma organização médica com qualquer autoridade formal. Qualquer um pode pagar algumas centenas de dólares para aderir”, salienta-se também no Telegraph, realçando que os padrões de cuidados (Standard of Care) da WPATH têm sido seguidos pelo NHS, pelo Serviço de Desenvolvimento de Identidade de Género (GIDS), por grupos como Stonewall e Mermaids (filiada na ILGA Europa), Press for Change e pelo Governo Escocês. Tal como em Portugal onde a Estratégia de Saúde para as pessoas LGBTI (que está a ser aplicada nos centros de saúde) foi implementada sob a coordenação da psiquiatra sexóloga Zélia Figueiredo, grande adepta das terapias afirmativas e da orientação da WPATH. Esta médica foi indigitada para o cargo pelo anterior governo PS.
Das mastectomias sem mamilos aos eunucos
No artigo do “Telegraph” dão-se alguns exemplos práticos do que foi partilhado no fórum interno da WPATH: “Os ficheiros do WPATH falam de mastectomias sem mamilos, incontinência provocada pelas cirurgias de mudança de sexo e “anulação” – isto é, criação de eunucos. Há médicos a falar de situações de cancro causado pelas terapias hormonais prescritas em adolescentes e em operações onde é feita uma vagina falsa com a manutenção do pénis”. Neste último caso tratou-se de um pedido de um homem que se assume como uma pessoa não-binária.
As mensagens revelaram uma frieza preocupante entre os profissionais em relação a graves problemas de saúde mental pré-existentes de pessoas com disforia de género. Um médico endocrinologista queixou-se do tempo de espera pedido pelo psiquiatra da equipa para a medicação com terapias hormonais de uma jovem com dissonância cognitiva, transtorno de stress pós-traumático, tendências esquizofrénicas e depressão. Outros participantes do fórum desconsideraram as preocupações do psiquiatra e reforçaram que provavelmente não há razão para esperar para iniciar a testosterona. Um dos médicos presentes nessa reunião afirmou mesmo que “em geral, a doença mental não é motivo” para adiar cirurgias de género. Um outro até se “vangloriou” de ter validado todas as pessoas que procuravam cirurgias, exceto uma, que “teve alucinações durante a sessão de avaliação”.
Os polémicos ficheiros que chegaram às mãos da EP por pessoas que participaram no fórum interno, foram tema de profuso debate em vários meios de comunicação social no estrangeiro não só na imprensa mas em canais de televisão. Entre muitos outros, destacamos ainda o The Economist que realça em título “Discussões reveladas revelam incerteza sobre cuidados de saúde transgénero” ou a Newsweek que escreve “A medicina de gênero precisa parar de tratar pacientes jovens como cobaias”.
Desde a acesa polémica que a WPATH se remeteu ao silêncio e o seu site encontra-se inactivo.
Esta organização tem um congresso mundial marcado para Lisboa, em setembro deste ano, na mesma altura em que será também realizada na capital portuguesa a conferência da Genspect, grupo internacional que junta profissionais de saúde de todo o mundo, pessoas detrans e os seus Pais e que tem defendido uma abordagem mais holística no tratamento das pessoas com disforia de género.
A Environmental Progress disponibiliza todos os ficheiros que suportam o seu relatório, incluindo capturas de ecrã do fórum interno com as mensagens dos vários médicos da WPATH (entre 2021 e 2024) e um vídeo de um painel de discussão interno.