Artigo publicado no jornal Público online
Artigo de Opinião de Bárbara Reis, publicado
Bem vindo ao trágico mundo dos “destransgéneros”. Falar disto é ser conservador, de direita etransfóbico? Venham as etiquetas. Mas venham também os argumentos.
“Por favor, faça a sua parte e dê a conhecer esta realidade. Pode salvar vidas.”
A carta chegou há dias e aqui estou: este coffee break não salvará a vida de ninguém, mas, materializando
o pedido de uma mãe aflita, é sobre a Disforia de Género de Início Rápido.
Atenção: este é um terreno minado pela ideologia e pela religião. E pulverizado pelo ar do nosso tempo, que tem excesso de polarização política, politicamente correcto e modas insufladas pelo digital.
Nunca tinha lido nada sobre Disforia de Género de Início Rápido (Rapid Onset Gender
Dysphoria ou ROGD), desconhecia o fenómeno e até o nome.
Há dez anos, li reportagens sobre jovens que se sentem no corpo errado desde que se
lembram de existirem e que vivem uma guerra interior de anos, com sofrimento, conflitos familiares, isolamento, depressão, às vezes suicídio.
Pareceram-me razoáveis os argumentos de quem defendia o direito de esses adolescentes poderem mudar de sexo antes dos 18 anos. A lógica era simples: os casos eram tão raros e a convicção dos jovens tão antiga, consistente e profunda que devíamos ajudá-los a serem felizes. No mapa ideológico simplista, quem concordava com isto era liberal, progressista e de esquerda; quem discordava era conservador, retrógrado e de direita.
Hoje a história é mais complicada. Há sinais de uma explosão de jovens que querem mudar de sexo da noite para o dia – a maioria raparigas – e há jovens que mudaram de sexo e
voltaram a mudar para o sexo original, tanto quanto isso é possível. E há um contramovimento para apoiar os arrependidos. Isto passou-se tudo ontem, num abrir e fechar de olhos.
Abigail Shrier, do Wall Street Journal, fala em “epidemia trans”. O seu Irreversible Damage:
The Transgender Craze Seducing Our Daughters foi escolhido como livro do ano em 2021 pela Economist. Shrier fala da moda de “grupos inteiros de amigas em faculdades, escolas secundárias e até do ensino básico que estão a declarar-se transgénero, raparigas que nunca tinham sentido desconforto com o seu sexo até ouvirem uma colega numa assembleia da escola ou descobrirem a comunidade de ‘influenciadores’ trans na Internet” e para quem “sair do armário” como transgénero aumenta o estatuto social.
A tese de Shrier? “Há uma geração de raparigas em risco.”
A carta da mãe aflita é sobre este medo: será que a filha decidiu mudar de sexo porque está deprimida, por influência externa, porque foi empurrada com desconcertante leveza por um psicólogo que à segunda consulta lhe deu os contactos de clínicas europeias onde se fazem mastectomias e terapias hormonais e os contactos de organizações que fazem campanhas de crowdfunding para ajudar a pagar os tratamentos?
Duas consultas e está feito. Nem no dentista duas consultas chegam para tomar uma decisão difícil. No caso, o “início rápido” da sua filha foi o tempo de duas consultas. Esta mãe pede calma e prudência. Alerta para o “modismo” e para a “pressão dos amigos” e pede que a comunidade médica e os legisladores não levem os adolescentes ao colo numa decisão que é em parte irreversível.
Talvez seja útil aplicar o princípio da prevenção preventiva – se há dúvidas e se os danos no corpo e na saúde podem ser terríveis, não será de parar um pouco, de ir mais devagar?
Será que estão a saltar-se etapas, que não se estão a aprofundar as razões que levam um adolescente a querer mudar de sexo de repente e sem sinais durante a infância e a adolescência?
Faz sentido fazer mastectomias a raparigas de 13 anos? Será que a mudança de atitude — passámos da ideia de que as crianças nem sempre sabem o que é melhor, para a de que as crianças sabem sempre o que é melhor – é de facto a melhor?
Li num “dicionário popular” na Internet que perguntar isto é a forma que os “pseudointelectuais” usam para falar sobre “transtrenders” – os transgéneros da moda – para “dar ao seu fanatismo um ar de respeitabilidade” e “sofisticação”.
Seja.
Li também que o que estou a escrever pode comparar-se ao anti-semitismo. Extraordinário. Uma mãe fala do problema do filho que anuncia, da noite para o dia, que vai mudar de sexo e o debate nem começa. A mãe só pode ser nazi — não fazem a coisa por menos.
Escrevo isto com à vontade e pronta para receber os rótulos de “virou retrógrada”, “virou conservadora”, “virou católica”, “virou de direita” e, claro, “virou transfóbica”. Venham as etiquetas.
Mas venham também os argumentos. A Suécia é um país progressista e desde 2015 que o dicionário oficial tem um pronome de género neutro (https://www.theguardian.com/world/2015/mar/24/sweden-adds-gender-neutral-pronoun-to-dictionary), aprovado pela Academia Sueca. Além de “han” (ele) e “hon” (ela), agora têm “hen”.
Os suecos costumam estar à frente.
Há umas semanas, o Conselho Nacional da Saúde sueco aprovou uma revisão do “protocolo holandês”, a
bíblia oficial da disforia de género, porque estava “desactualizado”. Percebe-se a preocupação: entre 2008 e 2018, o diagnóstico de disforia de género nas raparigas dos 13
anos 17 anos aumentou 1500%.
Feita a revisão, o conselho aprovou uma nova filosofia – como a mãe que me escreveu, o conselho sueco pede contenção, cuidado e calma, e recomenda desacelerar a velocidade a que se aprovam os tratamentos que bloqueiam a puberdade nos adolescentes. Perante as dúvidas, os estudos contraditórios e a ausência de informação rigorosa sobre o que está a acontecer, o conselho sueco diz que os jovens só devem receber tratamento hormonal em “casos excepcionais”.
Que casos são esses? Quando a disforia de género está solidamente diagnosticada.
Que não haja confusão. A Suécia sabe que a disforia de género existe, que é um problema gravíssimo, que há adolescentes que sofrem e até se suicidam por causa disso. Nenhum fanático – sueco ou português – gostará de ler o que os serviços públicos de saúde da Suécia têm a dizer sobre o tema.
Por exemplo: a prestação de “cuidados deve continuar para garantir que as crianças e jovens que sofrem de disforia de género sejam levados a sério, bem tratados e recebam os cuidados adequados”.
Mas não sabem quantos jovens interromperam os tratamentos ou se arrependerem e sabem que a “destransição” é real. Por isso, com sensatez, defendem que o tratamento hormonal só deve ser dado a jovens com menos de 18 anos em “casos excepcionais”.
Há dias, foi celebrado o Detrans Awareness Day. No site, fala-se da “viagem impopular de transição e retorno” (https://www.detransawareness.org/) dos “destransgéneros” (detransitioners).
“Alguns dizem que a destransição é muito rara. Outros recusam-se a reconhecer que existimos. Queremos que vejam que somos um grupo que está a crescer rapidamente.” Em 2020, um grupo de “destransgéneros” no (https://www.reddit.com/r/detrans/) ) tinha nove mil seguidores, hoje tem 27 mil.
Na carta, a mãe aflita fala de “uma onda bizarra, de contágio social” que tem “a plácida anuência, quando não mesmo o incentivo“ de alguns médicos e psicólogos. “Isto não está aacontecer nos EUA. Isto acontece em Portugal.”
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