Thereza-Ameal-entrevista

Retirar cariz ideológico à disciplina de Cidadania é “uma luz ao fundo do túnel”

Tx Marisa Antunes

O anúncio governamental de que a disciplina de Cidadania vai ser esvaziada de conteúdo ideológico, agitou os ânimos à direita e à esquerda. Uma decisão que Thereza Ameal, a escritora infanto-juvenil, que lançou a petição que viria a impulsionar o veto do presidente da República em relação à lei da autodeterminação de género nas escolas, classifica de “uma luz ao fundo do túnel”. A autora da petição “Não queremos que as crianças e jovens sejam obrigados a partilhar os WCs e balneários com pessoas fisicamente do sexo oposto” apela ainda à coerência do Governo nesta matéria através da extinção das normas previstas no Guia “O Direito a Ser nas Escolas”. O documento elaborado pela Comissão para a Igualdade de Género durante a vigência do governo PS,  defende, entre outras, a ideia de que se “deve respeitar o direito do aluno a utilizar o nome autoatribuído, em todas as atividades escolares e extraescolares, que se realizem na comunidade educativa”, o livre acesso às casas de banho, a ocultação da autoidentificação do aluno perante os pais (caso o peçam) e a denúncia contra os pais não afirmativos, que podem ser acusados de ‘maus tratos’ e “violência doméstica”.

Como recebeu o anúncio do Governo relativamente à disciplina de Cidadania?

Com imensa alegria e uma esperança cautelosa. Porque isto é essencial. É algo que pedimos desde os tempos do Governo Sócrates! Mas, infelizmente, desde essa altura as coisas só têm piorado. Pessoalmente, vi esta decisão do Congresso como uma luz ao fundo do túnel. Agora é preciso que se concretize.

A verdade é que, finalmente, vemos o tema da Ideologia de Género saltar para a praça pública, ser falado na Comunicação Social, o que é essencial, pois tem havido uma política de silêncio e até de cancelamento, típica da cultura woke, que não tem permitido que a informação chegue a quem mais interessa, que são os pais e educadores. 

Aliás, a pressa em promover a Ideologia de Género nas escolas foi tal, que os atropelos se sucederam, e não só na disciplina de Cidadania.

Em Junho de 2023, a Direção-Geral da Educação (DGE) e a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) já estavam a distribuir pelas escolas públicas do País o Guia “O Direito a Ser nas Escolas”, com as medidas administrativas que a escolas deveriam executar, como o uso do nome escolhido pelas crianças e dos pronomes associados ao sexo por elas escolhido, ou o uso dos WC e balneários da sua escolha. O ministério tem formado professores com base nessas normas…

Essa formação tem estado, efetivamente, a ser transmitida aos professores. Ainda no mês passado realizou-se mais uma ação de formação com base nesse guia…

Sim, e essas medidas polémicas estão a ser implementadas nas escolas apesar do veto do presidente da República em dezembro de 2023. Espantosamente, a DGE e CIG continuaram sempre a fazer ações de formação com base neste Guia. O mínimo que se espera é que este Guia seja imediatamente retirado, ou alterado de forma a eliminar toda a doutrinação ideológica que o inspira. 

Lançou a petição “Não queremos que as crianças e jovens sejam obrigados a partilhar os WCs e balneários com pessoas fisicamente do sexo oposto”, no ano passado, que já contestava algumas medidas que os peticionários consideravam “ideológicas”, implementadas pelo governo de António Costa. Como surgiu a ideia de lançar a petição

A maior parte das pessoas acha sempre que não vale a pena fazer nada em relação a este tipo de coisas pois cai tudo em saco roto, mas não é bem assim. A ideia surgiu porque comecei a ouvir falar sobre o que se estava a passar nas escolas e de que já estavam a pôr em prática, de forma sub-reptícia, as normas expressas no documento “O Direito a Ser nas escolas”, um guia enviado pela Direção-Geral da Educação aos professores. Algumas pessoas já estavam a ter problemas e tudo isso estava a passar completamente ao lado da população. As pessoas desconheciam que algo de muito sério iria entrar nas suas vidas, nas vidas dos seus filhos. Resolvi então lançar uma petição que chamasse atenção dos portugueses no geral, independentemente do partido em que votassem, e por isso foquei-me na questão das casas-de-banho (ainda que a questão vá muito além). O objetivo era mesmo chamar a atenção e levar as pessoas a abrir efetivamente a petição pois a maior parte das vezes nem o fazemos. Eu fiquei com os cabelos em pé ao perceber o que estava em causa com a lei da autodeterminação de género nas escolas…

Surpreendeu-a a velocidade com que foi somando assinaturas?

Sim, foi impressionante… Em cinco dias, recebemos 18.000 assinaturas! Só isso já era o suficiente para ser obrigatório ser discutido em comissão parlamentar.


Referiu que já estavam a surgir “problemas”. O que quer dizer com isso?

Eu fiz a petição em junho, quando os projetos estavam ainda a ser discutidos – mas nada estava aprovado – e logo em setembro, na abertura das aulas, já estava a ser posto em prática, o que é extraordinário tendo em conta que esta lei carecia de aprovação final, logo não deveria ser posta na prática.

E o primeiro caso que tive conhecimento surgiu logo no primeiro dia de aulas. Uma menina de 14 anos, repetente, do 6º ano, com gravíssimos problemas sociais e psicológicos, que logo no primeiro dia das aulas disse à professora que se identificava como rapaz e qual era o nome masculino e o pronome que queria que usassem. A professora começou imediatamente a tratá-la por esse nome, tudo isso sem conhecimento dos encarregados de educação. Nesse mesmo dia, durante o intervalo a pobre menina começou logo a sofrer imenso bullying . A professora que a devia ter protegido, estava a achar que estava a seguir as normas enviadas pelo Ministério de Educação… Foram dois rapazes que tiveram pena dela que a defenderam e também eles foram gozados… As crianças pediram-me para não dar muitos pormenores, mas posso dizer que foi numa escola pública no Algarve. Portanto, a petição é lançada em junho e logo em setembro começam a comprovar-se todos os receios.

Toda esta cultura woke é preocupante, é das coisas mais graves que estão a acontecer na nossa sociedade… Eu já estava muito atenta pelo facto de fazer parte da direção de uma creche e jardim de infância (de uma IPSS). Estamos a falar de normas que são colocadas em prática logo a partir do jardim de infância. Basta ver o que está preconizado no projeto Kinder. Estamos a falar de crianças a partir dos três anos… Tudo isto me sensibiliza muito.

 
Alega que o que está a acontecer é inconstitucional…

O Ministério da Educação está a dar formações com base numa lei que não existe… A lei da autodeterminação de género nas escolas foi vetada pelo presidente da República.  Por isso penso que o que Ministério da Educação fez e continua a fazer é ilegal ou no mínimo ilegítimo, pois as normas baseiam-se numa lei que não existe porque foi vetada. O nosso principal foco neste momento é pedir que estas normas sejam retiradas das escolas.

Ficou irritada pelo silenciamento dos media a esta petição quando outras com metade das assinaturas – como é  caso da petição a pedir  a proibição dos telemóveis nas escolas- , recebem tanta atenção?

Não irritada, mas triste e preocupada. Quando fiz a petição mandei para todos os órgãos de comunicação social, mas fui completamente silenciada e isso não me surpreendeu e só veio comprovar a pressão incrível que esta ideologia de género tem sobre os jornalistas… As pessoas têm medo de falar sobre este assunto, há uma agressividade enorme…  Os jornalistas receiam as consequências que podem ter a nível profissional. E por isso preferem não tocar num tema fraturante que apenas é falado por um lado, enquanto o outro tem extrema dificuldade em fazer-se ouvir… Por isso, sim, tive imensa pena de ter sentido um grande silenciamento até por parte de alguns órgãos de comunicação social que eu não esperava… Nem percebi sequer como é que eu cheguei a tanta gente pois acabei por a divulgar de uma maneira completamente amadora no Facebook e em outras redes sociais.  Só a Rádio Renascença publicou uma pequena nota. Mais tarde escrevi dois artigos para Observador que foram publicados.

Falou do cancelamento dos media e, porém, há médicos que falam abertamente sobre o tema (a Sábado já entrevistou alguns) em congressos, em entrevistas… Diria que não há interesse da generalidade dos media para ouvir estas opiniões?
Lá está, tem a ver com esta cultura woke que faz esta pressão social brutal de cancelamento… No fundo, quem tem medo são as pessoas da comunicação social. Os cientistas não. A maior parte quer mesmo é ser ouvido e são eles próprios a serem cancelados. Esta cultura de cancelamento é completamente assustadora e antidemocrática vinda precisamente de quem tanto grita pela democracia e pela Liberdade. É impressionante…

Vai em quase 56.000 assinaturas. A petição já fechou?
Não, a maioria das pessoas pensa que o assunto ficou resolvido quando o presidente vetou, mas não é bem assim. Ainda vai ser discutida em plenário. A petição não fechou e por isso quantas mais assinaturas houver, mais peso e mais voz se estará a dar a esta posição.

O grande sucesso da Petição, o veto do Presidente da República e agora as palavras do senhor Primeiro-Ministro dão-me esperança de que finalmente alguma coisa mude.

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