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As Raparigas que ninguém quer ver

Redacção

Há uma revolução identitária a acontecer em Portugal e que está a impactar diretamente as mulheres, ou melhor dizendo, as jovens mulheres. Por dia, mais do que uma pessoa muda de género no seu Cartão de Cidadão e escolhe o nome pelo qual deseja iniciar essa nova etapa da sua vida. A maioria são raparigas, cada vez mais jovens, uma tendência global e que contrasta com o padrão que sempre existiu nesta área onde a maioria das pessoas trans eram homens (a transacionar para mulheres) e já maduros (acima dos 28 anos).

Dados do Ministério da Justiça apontam para crescimentos exponenciais, desde a pandemia, no número de pessoas a mudar oficialmente de género. Em 2023 foram exatamente 529 pessoas, o maior número registado até ao momento, das quais 327 são raparigas que transacionaram para o género masculino, ou seja, cerca de 62% do total.

Já em 2022, tinham mudado de género e nome no cartão de cidadão, 519 pessoas, uma média de 10 pessoas por semana, um aumento de 30% em relação a 2021, ano onde o acréscimo tinha sido igualmente bastante significativo em relação a 2020, em cerca de 70%.

A multiplicação de registos é habitualmente explicada pelos ativistas como resultado da lei da autodeterminação de género que entrou em vigor em Portugal em 2018 porém, invariavelmente, fica sem resposta as razões que explicam esta inversão nos rácios por sexo. E, também muito relevante, porque razão um número muito significativo de novos casos de pessoas trans incide sobre pessoas que nunca tiveram qualquer incongruência de género durante a maior parte da sua existência, surgindo esta em situações de contágio social online ou presencial?

Contestada inicialmente por movimentos ativistas que tentaram desacreditar o seu trabalho, a investigadora Lisa Littman foi a responsável por cunhar o termo Rapid Onset Gender Dysphoria (ROGD), num estudo publicado em 2018 e que estabelece ligações entre este aumento exponencial de casos trans – um fenómeno que se verifica em quase todos os países ocidentais onde o acesso tecnológico é acessível – e o contágio social online, em moldes similares à anorexia, auto-mutilação, etc.

“ROGD” descreve uma nova categoria de indivíduos que se identificam como transgénero, marcada por números nunca antes vistos e por razões muito diferentes das dos transexuais adultos das últimas décadas. Ao contrário de outras pessoas que se identificam como transexuais e que se sentiam confusas sobre o seu sexo desde a primeira infância, os indivíduos ROGD desenvolvem sintomas de angústia sobre o seu sexo e papéis de género só na adolescência. São adolescentes que atravessam o tumulto da puberdade que descobrem o conceito de ser trans e, incentivados por outros adolescentes, ruminam sobre essa fantasia”, conta Laura Becker, ex-transgénero, em entrevista dada ao portal da Genspect, organização que reúne profissionais da saúde mental de todo o mundo e também pessoas trans e detrans.

Estas crianças, sublinha ainda a detrans, “são recrutadas em plataformas de redes sociais como TikTok e Instagram, onde algoritmos da Internet bombardeiam as suas mentes influenciáveis. Elas são alimentadas por uma série de anúncios de e para transgéneros e recebem validação de estranhos que lhes dizem que ser trans é fixe e até saudável mentalmente. Elas acabam, frequentemente, por se conectar online com adultos que os incentivam a procurar cirurgias e hormonas para melhorar sua saúde mental”, alerta ainda Laura Becker.

Este movimento, alimentado também por influencers online com milhões de seguidores e que promovem desde clínicas de género a produtos comerciais (como por exemplo, binders, espécie de soutien muito justo usado para masculinizar o peito), ganhou escala quando foi possível substituir o diagnóstico de “perturbação de identidade de género” pelo de disforia de género, expressão que define o severo desconforto corporal e emocional das pessoas que não se identificam com o seu sexo biológico. Uma alteração fulcral para retirar carga negativa ao diagnóstico (ao eliminar o termo ‘perturbação’) tendo a disforia passado a constar no manual DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) preconizado pela influente World Professional Association for Transgender Health (WPATH), que defende a “despatologização” como condição essencial para reconhecer a diversidade de género, retirando complexidade aos processos de afirmação e agilizando os tratamentos hormonais e cirúrgicos, a chamada terapia afirmativa.

 

Contra a “castração” dos jovens

São comuns as histórias mediatizadas das pessoas que afirmam, desde a tenra infância, que sentem ter nascido no corpo errado e que esperam, penosamente, durante anos por um reencontro entre o que sentiam interiormente e o que desejavam ver refletido no espelho, um alívio que conseguiram através da medicalização hormonal e cirúrgica. Mas a enormidade dos números esconde também este outro fenómeno – a do surgimento de casos de pessoas que se assumem como trans de forma inesperada, fora do padrão habitual das pessoas transgénero, jovens que nunca antes tinham percecionado a tal incongruência de género, sendo também eles encaminhados para processos demasiado rápidos de transição sexual.

É para estes que a comunidade médica, de uma forma global, tem alertado para os perigos da ideologia política, de género e da pressão de lobbies, num assunto que é demasiado sério pois é da vulnerabilidade da saúde mental dos mais jovens que se trata.

As chamadas de atenção chegam de todo o mundo. Dos Estados Unidos, por exemplo, a reputada pedopsiquiatra Miriam Grossman tem-se desdobrado em entrevistas a alertar os pais para “despertarem para o perigo da ideologia trans” e em Espanha, Celso Arango, que até 2022 presidiu à Sociedade Espanhola de Psiquiatria, não hesitou dizer, em entrevista ao El Mundo, que “existe atualmente um boom de pessoas trans que na realidade não o são”. Ainda mais cáustico, outro espanhol, o psiquiatra Javier San Sebastián, antigo diretor da Unidade de Psiquiatria Infantil do Hospital Ramón y Cajal, em Madrid, receia que este fluxo inesperado, venha a “desencadear um aumento de suicídios porque vai gerar mutilações, e passado algum tempo, arrependimentos”. Também no Reino Unido têm sido vários os profissionais de saúde mental a denunciar a má prática dos colegas. Um dos mais recentes alertas veio do psiquiatra Az Hakeem que lançou em outubro o livro Detrans: When Transition is not the solution”. Em entrevista recente ao Daily Mail, o médico afirmava que “ser trans ou não binário passou a ser uma subcultura” e que nos arriscamos a criar nações com um elevado número de crianças e jovens “castrados”.

A multiplicação de números em Portugal atraiu a atenção de organizações como a Genspect, associação fundada pela psicoterapeuta irlandesa Stella O’Malley – que lançou recentemente o livro “When kids say they’re trans: a guide for thoughtful parents”, em co-autoria com Sasha Ayad e Lisa Marchiano – e que vai realizar uma conferência em Lisboa, em setembro deste ano, para alertar precisamente para os riscos das terapias hormonais e das cirurgias de redesignação de sexo.

Em Portugal, onde este fenómeno atípico chegou mais tarde, continua a ser tabu aprofundar o tema nos media nacionais, tal  como aconteceu no passado recente, em outros países, onde a questão de género acabaria por ser indevidamente politizada prejudicando até os jovens efetivamente trans, como acontece em certos estados dos Estados Unidos, que bloquearam o acesso dos tratamentos médicos de que eles necessitam. 

 

Suécia e outros países colocam travão

Mas paulatinamente esse tabu tem vindo a esboroar-se à medida que se multiplicam as histórias, as denúncias e até mesmo os processos judiciais interpostos pelos ‘detrans’, pessoas que se arrependem e fazem posteriormente a destransição.

No reditt detrans, rede social onde se partilham histórias de destransição e que passou de 9.000 usuários há três anos para cerca de 52 mil atualmente, a depressão, os traumas sexuais ou patologias como o espectro de autismo são fatores-comuns nos desabafos de quem questiona agora todo o processo em que se envolveu e que deixou marcas irreversíveis.

Atentos a esta avalanche de casos trans e ao número igualmente crescente de casos detrans, muitos países estão a colocar barreiras às terapias afirmativas associadas à lei da autodeterminação de género (assente nos tratamentos hormonais e cirurgias) e estão a regressar à psicoterapia.

A Suécia, com uma cultura progressista no tratamento das pessoas transgénero, foi um dos primeiros a colocar um travão à terapia afirmativa e à medicalização preconizada pela WPATH. Em 2020, um artigo do The Guardian, dava conta de “um aumento de 1500%” desde 2008, de casos de disforia entre jovens de 13 a 17 anos, a maioria nascidos com o sexo feminino. Só em 2021, foram registados cerca de 820 novos casos na Suécia. Ao argumento de que este aumento se deveu a uma maior tolerância da sociedade às pessoas trans, o psiquiatra Mikael Landen, médico-chefe do Hospital Universitário Sahlgrenska, em Gotemburgo – que contribuiu para o estudo científico no qual o Conselho de Saúde sueco baseou a sua decisão de regressar à terapia mais holística – , respondeu à AFP: “A tolerância tem sido elevada na Suécia pelo menos nos últimos 25 anos, por isso não se pode dizer que mudou”.

 Noruega, Dinamarca, França e Reino Unido também estão a seguir o mesmo caminho e a concluir que os riscos inerentes à transição não ultrapassam os benefícios expectáveis a longo prazo.

Resta saber até quando Portugal irá esperar para fazer um balanço da sua política na área de saúde transgénero.

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